Carnaval é a tomatina, não a Sapucaí

Segue um texto engraçadinho que publico na Folha de S. Paulo de hoje. 

Carnavalescos, por favor, errem!

LEANDRO NARLOCH


É injusto que o Carnaval brasileiro seja simbolizado por um desfile tão contrário ao espírito carnavalesco, fruto de influência fascista 


CARO CARNAVALESCO , caro turista que vai desfilar neste Carnaval, eu gostaria de lhe fazer um pedido. Durante o desfile de sua escola de samba nos próximos dias, por favor, erre. Erre de propósito. Cometa bobagens imprevistas, saia do ritmo, embole a coreografia de seu grupo. Faça de tudo para que sua escola de samba ganhe notas péssimas dos jurados. 
É um pedido estranho, mas que não tem o objetivo de sabotar a festa. Pelo contrário. Para que a diversão volte a acontecer, para que ela seja de fato um Carnaval, é preciso urgentemente errar mais na avenida. 
O pedido se baseia na história. Por séculos e séculos, o Carnaval significou inversão de papéis, de julgamentos e de atitudes. Em outras palavras, significou fazer tudo ao contrário. Nas festas pagãs da Roma Antiga, que deram origem ao Carnaval cristão, escravos e seus senhores trocavam de posição: por um dia, eram os servos que mandavam. Já os europeus medievais faziam missas e procissões cômicas, desafiando a Igreja Católica, autoridade temerosa e indiscutível daquela época. 
Uma festa parecida acontecia no Brasil. Durante as festas conhecidas como entrudos, as pessoas atiravam bolas de cera nos outros e faziam guerrinhas d’água pela rua, impressionando quem não estava habituado. Em 1832, o jovem Charles Darwin, ao visitar o Carnaval de Salvador com dois tenentes da Marinha britânica, escreveu assustado: “Achamos muito difícil manter a nossa dignidade enquanto caminhávamos pelas ruas”. 
Essa algazarra deliciosamente sem noção foi silenciada na década de 30. Por influência de costumes e governos fascistas, a festa se aproximou de um desfile patriótico, com regras, jurados e horários marcados. Os foliões passaram a desfilar diante de autoridades do governo e de jurados, que avaliavam a disciplina, o figurino e a média de acertos dos grupos, dando notas até dez. Instituiu-se a obrigatoriedade de sambas com letras em prol da nação. Os instrumentos de sopro, que não remetiam à “cultura nacional”, foram proibidos. 
As primeiras apresentações do Rio de Janeiro aconteceram na avenida Rio Branco, o mesmo local dos desfiles militares do dia 7 de setembro. A Deixa Falar, escola de samba mais antiga, desfilou em 1929 usando na comissão de frente cavalos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Três anos depois, o samba-enredo da escola era A Primavera e a Revolução de Outubro, em homenagem à tomada de poder de Getúlio Vargas em outubro de 1930. A apresentação contou com participantes vestidos de militares. 
Os sambas das escolas também foram atração nas primeiras edições da “Hora do Brasil”, programa criado pelo governo Vargas. Em 29 de janeiro de 1936, uma edição especial com a Estação Primeira de Mangueira foi transmitida para a rádio nacional da Alemanha nazista. 
Criou-se nessa época o evento metódico que existe até hoje, com notas, vencedores, regras de conduta e, o que é mais incrível, uma trajetória retilínea. É injusto que o Carnaval brasileiro seja simbolizado por um desfile tão contrário ao espírito carnavalesco. Por isso, precisamos afastar o Carnaval brasileiro de seus tempos fascistas. Você pode fazer isso tomando atitudes simples durante o desfile. Basta praticar qualquer ação que irrite os dirigentes das escolas preocupados não com a sua diversão, mas com pontuações e patrocínios. Há diversas opções interessantes. 
Uma delas: pare diante dos jurados, dê de ombros a eles, chame-os para invadir a avenida (se eles não estiverem dormindo). Ou então, em vez de cantar sambas politicamente corretos patrocinados por Hugo Chávez ou por mineradoras, deite no meio do desfile e finja-se de morto. Empurre o carro alegórico para o lado contrário. E, por favor, livre-se daquelas penugens horríveis: já foi o tempo em que os brasileiros tinham que oferecer macumba para turistas, fingir-se de exóticos bem comportados para ganhar pontos ou atrair atenção. 
Já podemos deixar a Sapucaí de lado e dar mais atenção aos blocos de rua, onde algum Carnaval sobrevive. Repleta desse comportamento irresponsável, sua escola de samba se tornaria muito mais fiel ao Carnaval. 
Durante todo o ano corremos para seguir ordens, ritmos e horários, lutamos para ser aprovados, atingir o grupo especial ou tirar dez. O Carnaval é um pequeno momento do ano destinado ao oposto. Nesses quatro dias, você está liberado para errar, para não ser aceito e se esforçar em tirar zero. Por favor, aproveite. Bons carnavalescos, em vez de torcer por graves notas dez na quarta-feira de cinzas, festejam o rebaixamento. 
E, se os dirigentes das escolas reclamarem de seus erros, não se importe. Eles não sabem o que é Carnaval. 

LEANDRO NARLOCH, 31, é jornalista. Foi repórter do “Jornal da Tarde” e da revista “Veja” e editor das revistas “Aventuras na História” e “Superinteressante”. É autor do livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” (LeYa).

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17 respostas para Carnaval é a tomatina, não a Sapucaí

  1. PatPat disse:

    vc já passou o carnaval no Recife? mudaria sua opinião. O mundo não se restringe à ponte aérea, meu caro! e bom tríduo de Momo!

  2. Rose disse:

    Sabe o que seria novidade? Mulheres vestidas e homens semi nus; no entanto o machismo brasileiro ainda reina nas passarelas e desfiles de carnaval.

  3. Carnavalesco disse:

    Eu preferia passar 5 dias sendo torturado do que passar o carnaval em Recife.

    Se bem que… ficar num calor de rachar, com música ruim 24h, gente jogando coisas em mim, pisando no meu pé, me empurrando e ainda correr risco de apanhar ou ser assaltado (ou os dois), só me lembra uma coisa mesmo: tortura.

    • filipetremere disse:

      Sei, você prefere ficar na arquibancada torcendo pro seu time de futebol, digo, pra sua escola de samba, ou até mesmo desfilar nela, né?
      Quer vc queira, quer não, Carnaval de Recife-Olinda é um dos poucos que valem à pena, no geral.
      Lógico, se você curte sair na escola e etc, tudo bem.
      Mas em Recife, tem diversão pra todo mundo. Tem pra quem gosta de música eletrônica, rock, frevo, “MPB”. Só não rola em Recife duas coisas: Axé e Forró. Se você gosta disso, é melhor ir pro interior ou pras praias. Dá uma olhada na programação do carnaval de lá pra ver.

      Abs

      P.s: Seu texto faria um pouco mais de sentido se, ao invés de escrever “Se bem que” você tivesse escrito: “Afinal”. ABS[2]

  4. Táia Rocha disse:

    Querido, desculpe, mas seu texto é totalmente datado. O Carnaval de rua, o legítimo, nunca foi tão forte e presente no Rio. Há 10 anos todo mundo sabe que a Sapucaí é só pra turistas – brasileiros e estrangeiros – e para o pessoal das comunidades que se apresentam, e sinceramente esses não têm porque errar nada. Eles trabalham pra isso, a Sapucaí é sua Broadway, deixa eles. Este ano há 465 blocos brincando exatamente de “o mundo de cabeça pra baixo”, que é a origem do Carnaval que você descreve. Sua intenção foi boa, mas sugiro que se atualize.

  5. Norma disse:

    Que achados seu blog e seu livro, Leandro!

    Adorei! Os mitos da esquerda brasileira precisam ser quebrados com mais humor e menos truculência.

    Abração!

  6. Fernando Silva disse:

    Parabéns, Leandro! Bem vindo ao time dos que preferem a realidade das coisas às mentiras idealizadas. Torço para que seu livro venda cada vez mais e que você lance mais uns dez volumes do Guia, bem como o Guia PI da História do Mundo!

  7. diego disse:

    oi pessoal eu sou o Diego Tavares tenho 17 anos. eu só quero dizer que o livro só pelo titulo me chamou a atanção.
    muito bom.

    gostaria virar amigo de vcs pode ser ?

  8. Denis disse:

    Mandou bem, Narloch, acertou na mosca.

    Só li o texto agora, mas fico feliz em perceber que, sem saber, obedeci seu conselho: passei 4 dias errando o tanto quanto pude.

  9. Pingback: Politicamente (in)correto « Blog Bololô

  10. Táia Rocha disse:

    Curioso você não aceitar meu comentário. Ele não tem nada de ofensivo. Será que ficou claro que você precisa conhecer melhor o Carnaval do Rio para falar?

  11. Mauricio disse:

    Fume crack e escreva livros otimos.
    Tente o stand up!

  12. Ana Paula disse:

    Olha è isso que prescisamos ..as vezes queremos fazer algo e naum fazemos por ser errado ja imaginou um dia ki vc pode fazer td ki tiver vontade …temos ki pensar naquelas pessoas ki não tem tanto dinheiro para entrar na Sapucai para assistir pelo menos 1 desfile temos ki retomar os blocos de carnavais ..e isso vamos mudar !

  13. Ana Paula Duarte disse:

    Estou fazendo um trabalho na escola sobre isso
    por eu morar no interios de SP entaum eu não sabia a realidade do que o carnaval . no Rio ..entaum vou me inspirar nesse texto ,axei ele um maximo e nele tem tudo ki eu presciso.

  14. Cinthia disse:

    Desfile de escola de samba é um PORRE! Bom mesmo é carnaval de rua!

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